UNICAMP 2008 – 2ª FASE –
LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA
QUESTÃO 1
(Gonsales, Fernando, “Níquel Náusea”. Folha de São Paulo on line em www.uol.com.br/niquel)
a) No primeiro quadrinho, a menção a ‘palavrões’ constrói uma
expectativa que é quebrada no segundo quadrinho.
Mostre como ela é produzida, apontando uma expressão relacionada
a ‘palavrões’, presente no primeiro quadrinho, que ajuda na construção
dessa expectativa.
b) No segundo quadrinho, o cômico se constrói justamente pela
quebra da expectativa produzida no quadrinho anterior. Entretanto, embora a
relação pressuposta no primeiro quadrinho se mantenha, ela passa a ser
entendida num outro sentido, o que produz o riso. Explique o que se mantém e o
que é alterado no segundo quadrinho em termos de pressupostos e relações
entre as palavras.
.
QUESTÃO
2
A carta abaixo reproduzida foi publicada em outubro de 2007,
após declaração sobre a legalização do aborto feita por Sérgio Cabral,
governador do Estado do Rio de Janeiro.
Sobre a declaração do governador fluminense, Sérgio Cabral, de
que “as mães faveladas são uma fábrica de produzir marginais”, cabe indagar:
essas mães produzem marginais apenas quando dão à luz ou também quando votam?
(Juarez R. Venitez, Sacramento-MG, seção Painel do Leitor, Folha
de São Paulo, 29/10/2007.)
a) Há uma forte ironia produzida no texto da carta. Destaque a
parte do texto em que se expressa essa ironia.
Justifique.
b) Nessa ironia, marca-se uma crítica à declaração do governador
do Rio de Janeiro. Entretanto, em função da presença de uma construção
sintática, a crítica não incorre em uma oposição. Indique a construção
sintática que relativiza essa crítica. Justifique.
QUESTÃO
3
O seguinte enunciado está presente em uma campanha publicitária
de provedor de Internet:
Finalmente um líder mundial de Internet que sabe a diferença
entre acabar em pizza e acabar em pizza. Terra. A Internet do Brasil e do
mundo.
a) A propaganda joga com um duplo sentido da expressão “acabar
em pizza”. Qual é o duplo sentido?
b) A propaganda trabalha com esse duplo sentido para construir a
imagem de um provedor que se insere em âmbitos internacional e nacional. De que
modo a expressão “acabar em pizza” ajuda na construção dessa
imagem?
Os
versos seguintes fazem parte do poema “Um chamado João” de Carlos Drummond de
Andrade em homenagem póstuma a João Guimarães Rosa. Trabalhe as questões 4 e 5
a partir da leitura do poema.
Um
chamado João
João
era fabulista?
fabuloso?
fábula?
Sertão
místico disparando
no
exílio da linguagem comum?
Projetava
na gravatinha
a
quinta face das coisas
inenarrável
narrada?
Um
estranho chamado João
para
disfarçar, para farçar
o que
não ousamos compreender?
(...)
Mágico
sem apetrechos,
civilmente
mágico, apelador
de
precípites prodígios acudindo
a
chamado geral?
(...)
Ficamos
sem saber o que era João
e se
João existiu
deve
pegar.
(Carlos
Drummond de Andrade, em Correio da Manhã, 22/11/1967, publicado
em Rosa, J. G. Sagarana. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001.)
QUESTÃO
4
a) No título, ‘chamado’ sintetiza dois sentidos com que a
palavra aparece no poema. Explique esses dois sentidos, indicando como estão
presentes nas passagens em que ‘chamado’ se encontra.
b) Na primeira estrofe do poema, ‘fábula’ é derivada em
‘fabulista’ e ‘fabuloso’. Mostre de que modo a formação morfológica e a função
sintática das três palavras contribuem para a formação da imagem de Guimarães Rosa.
QUESTÃO
5
Na segunda estrofe, há dois processos muito interessantes de
associação de palavras. Em “inenarrável/narrada” encontramos claramente um
processo de derivação. Em “disfarçar/farçar”, temos a sugestão de um processo semelhante,
embora ‘farçar’ não conste dos dicionários modernos.
a) Relacione o significado de ‘inenarrável’ com o processo de
sua formação; e o de ‘farçar’, na relação sugerida no poema, com ‘disfarçar’.
b) Explique como esses processos contribuem na construção dos
sentidos dessa estrofe.
QUESTÃO
6
O texto abaixo é extraído de artigo jornalístico no qual se
comparam duas notícias que chamaram a atenção da imprensa brasileira no mês de
outubro de 2007: de um lado, o caso entre o senador Renan Calheiros e a jornalista
Mônica Veloso; de outro, o artigo em que o apresentador de TV Luciano Huck
expressa sua indignação contra o roubo de seu relógio Rolex.
Aparentemente, o que aproxima todos esses personagens é a
disputa por um objeto de desejo. No caso dos assaltantes de Huck, por estar no
pulso de um “bacana”, mais que um relógio, o objeto em questão aparece como um
equivalente geral que pode dar acesso a outros objetos (...). Presente de sua
mulher, a igualmente famosa apresentadora global Angélica, um relógio desse
calibre é sinal de prestígio, indicando um lugar social que, no Brasil, costuma
“abrir portas” raras vezes franqueadas à maior parte da população. (...) Mais
afinado com as tradições patriarcais de seu estado natal, Renan aparece nos
noticiários, bem de acordo com a chamada “preferência nacional” dos anúncios de
cerveja. Daí que não seja possível, em ambos os episódios, associar os casos em
questão àquele “obscuro objeto de desejo” que dá título a um dos mais
instigantes filmes de Luís Buñuel. Tratavase, para o cineasta, de mostrar como
um desejo singular, único, podia engendrar um objeto de grande opacidade. Em
direção oposta, tanto na parceria Calheiros/Veloso, quanto no confronto Huck/assaltantes,
há uma espécie de exibição ostensiva dos objetos em jogo, como que marcando a
coincidência de desejos que perderam sua singularidade para cair na vala comum
das banalidades.
(Adaptado de Eliane Robert Moraes, Folha
de São Paulo, 14/10/2007, grifos nossos.)
a) Um dos usos de aspas é o de destacar elementos no texto.
Explique a finalidade desse destaque nas seguintes expressões presentes no
texto: “bacana”, “abrir portas” e “preferência nacional”.
b) No caso de “obscuro objeto de desejo”, as aspas marcam o
título de um filme de Buñuel. Explique como a referência a esse título
estabelece uma oposição fundamental para a argumentação do texto.
QUESTÃO
7
O poema abaixo, de Carlos Drummond de Andrade, pertence ao livro
A rosa do povo (1945), que reúne composições
escritas na época da Segunda
Guerra Mundial e da ditadura do Estado Novo no Brasil:
Passagem da Noite
É noite. Sinto que é noite
não porque a sombra descesse
(bem me importa a face negra)
mas porque dentro de mim,
no fundo de mim, o grito
se calou, fez-se desânimo.
Sinto que nós somos noite,
que palpitamos no escuro
e em noite nos dissolvemos.
Sinto que é noite no vento,
noite nas águas, na pedra.
E que adianta uma lâmpada?
E que adianta uma voz?
É noite no meu amigo.
É noite no submarino.
É noite na roça grande.
É noite, não é morte, é noite
de sono espesso e sem praia.
Não é dor, nem paz, é noite,
é perfeitamente a noite.
Mas salve, olhar de alegria!
E salve, dia que surge!
Os corpos saltam do sono,
o mundo se recompõe.
Que gozo na bicicleta!
Existir: seja como for.
A fraterna entrega do pão.
Amar: mesmo nas canções.
De novo andar: as distâncias,
as cores, posse das ruas.
Tudo que à noite perdemos
se nos confia outra vez.
Obrigado, coisas fiéis!
Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro, e o tempo
não murchou; não nos diluímos!
Chupar o gosto do dia!
Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver!
a) Explique o sentido metafórico da noite e
o uso do verbo sentir, na 1ª- estrofe.
b) Explique o sentido metafórico do dia e
o sentimento a ele associado, na 2ª- estrofe.
QUESTÃO
8
Na seguinte passagem do capítulo LXXX (“Venhamos ao capítulo”),
de Dom Casmurro, o narrador trata da promessa feita por D.
Glória.
Um dos aforismos de Franklin é que, para quem tem de pagar na
páscoa, a quaresma é curta. A nossa quaresma não foi mais longa que as outras,
e minha mãe, posto me mandasse ensinar latim e doutrina, começou a adiar a
minha entrada no seminário. É o que se chama, comercialmente falando, reformar
uma letra. O credor era arquimilionário, não dependia daquela quantia para
comer, e consentiu nas transferências de pagamento, sem querer agravar a taxa
do juro. Um dia, porém, um dos familiares que serviam de endossantes da letra,
falou da necessidade de entregar o preço ajustado; está num dos capítulos
primeiros. Minha mãe concordou e recolhi-me a S.José.
a) Quem lembrou D. Glória da promessa e qual seu vínculo com a
família dela?
b) Explique o uso da linguagem comercial no trecho citado
anteriormente e no romance.
QUESTÃO
9
O poema abaixo pertence a O Guardador de Rebanhos,
de Alberto Caeiro:
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo....
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo
o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos
podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
(Fernando Pessoa, Obra Poética. Rio de
Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1983, p.142.)
a) Explique a oposição estabelecida entre a aldeia e a cidade.
b) De que maneira o uso do
verso livre reforça essa oposição?
QUESTÃO
10
O trecho abaixo pertence ao capítulo VIII de A
cidade e as serras, em que se narra a viagem de Jacinto a Tormes.
Trepávamos então alguma ruazinha de aldeia, dez ou doze
casebres, sumidos entre figueiras, onde se esgaçava, fugindo do lar pela
telha-vã o fumo branco e cheiroso das pinhas. Nos cerros remotos, por cima da
negrura pensativa dos pinheirais, branquejavam ermidas. O ar fino e puro
entrava na alma, e na alma espalhava alegria e força. Um esparso tilintar de
chocalhos de guizos morria pelas quebradas...
Jacinto adiante, na sua égua ruça, murmurava:
— Que beleza!
E eu atrás, no burro de Sancho, murmurava:
— Que beleza!
Frescos ramos roçavam os nossos ombros com familiaridade e
carinho.
(Eça de Queiroz, Obra Completa. Beatriz
Berrini (org.). Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997, Vol.II, pp. 561,
grifos nossos.)
a) O que o trecho revela da visão de Jacinto sobre a aldeia e
que afinidade existe entre essa visão e a de Alberto Caeiro no poema da questão
anterior.
b) Explique a relação entre o protagonista e a paisagem nas duas
frases sublinhadas.
QUESTÃO
11
Leia o seguinte trecho do capítulo “Contas”, de Vidas
Secas.
Tinha a obrigação de trabalhar para os outros, naturalmente,
conhecia do seu lugar. Bem. Nascera com esse destino, ninguém tinha culpa de ele
haver nascido com um destino ruim. Que fazer? Podia mudar a sorte? Se lhe
dissessem que era possível melhorar de situação, espantar-se-ia. (...) Era a
sina. O pai vivera assim, o avô também. E para trás não existia família. Cortar
mandacaru, ensebar látegos — aquilo estava no sangue. Conformava-se, não
pretendia mais nada. Se lhe dessem o que era dele, estava certo. Não davam. Era
um desgraçado, era como um cachorro, só recebia ossos.
Por que seria que os homens ricos ainda lhe tomavam uma parte
dos ossos? Fazia até nojo pessoas importantes se ocuparem com semelhantes
porcarias.
(Graciliano Ramos, Vidas Secas. 103ª. ed., Rio
de Janeiro: Editora Record, 2007, p.97.)
a) Que visão Fabiano tem de sua própria condição? Justifique.
b) Explique a referência que
ele faz aos “homens ricos” com base no enredo do livro.
QUESTÃO
12
O trecho abaixo pertence ao capítulo XXII (“Empenhos”), de Memórias
de um Sargento de Milícias.
Isto tudo vem para dizermos que Maria-Regalada tinha um
verdadeiro amor ao Major Vidigal; o Major pagava-lho na mesma moeda. Ora, D.
Maria era uma das camaradas mais do coração de Maria-Regalada. Eis aí porque falando
dela D. Maria e a comadre se mostraram tão esperançadas a respeito
da sorte do Leonardo.
Já naquele tempo (e dizem que é defeito do nosso) o empenho, o
compadresco, era uma mola real de todo o movimento social.
(Manuel Antonio de Almeida, Memórias de um Sargento
de Milícias. Mamede Mustafá Jarouche (org.). Cotia: Ateliê Editorial, 2000,
p. 319.)
a) Explique o “defeito” a que o narrador se refere.
b) Relacione o “defeito” com esse episódio, que envolveu o Major
Vidigal e as três mulheres.